segunda-feira, 28 de março de 2011

Clássicos - Rolling Stones - Get Yer Ya-Yas Out (1970)















Lançamento: 4 de Setembro de 1970
Selo: Decca
Produção: Rolling Stones e Glyn Johns
Duração: 47:38


Alçado a condição de produtor (aos 27 anos de idade) pela única vez em um disco dos Rolling Stones, o engenheiro de som Glyn Johns começou a trabalhar com a banda em 1963, antes da assinatura do contrato dos Stones com a Decca por Andrew Loog Oldham. Johns era então vocalista dos Presidents, que fiziam algum sucesso em Sutton, subúrbio do sul de Londres, onde abriam as apresentações dos Stones em um pub local.
Tendo continuado a trabalhar com os Stones na década de 1960 e depois disso, Johns era, além de colaborador da banda, amigo de seus integrantes, que compareceram a recepção de seu casamento três anos depois do lançamento de Get Yer Ya-Yas Out - primeiro álbum dos Stones depois da saída de Brian Jones.
Quando Jones corria o risco de ser preso mais uma vez por porte de drogas no final de 1968, Allen Klein acalmou a imprensa alarmista com a seguinte declaração: "Não existe a menor possibilidade de outro música se juntar a banda". Felizmente para Klein, não era de conhecimento público que Dave Manson participara da gravação de Beggars Banquet e que outros guitarristas estavam sendo avaliados para uma turnê americana planejada para 1969. Entre esses, Mick Taylor, um jovem de 21 anos, ex-integrante da banda The Gods e então garoto-prodígio dos Bluesbreakers de John Mayall; e um ex-guitarrista dessa mesma banda, Eric Clapton, agora que as últimas notas do seu trio Cream estavam para ser tocadas em um espetáculo de despedida no Royal Albert Hall, em Londres, em novembro de 1968.
Em junho desse ano saiu o comunicado que Mick Taylor fora o escolhido e que os Stones fariam um show em Londres num sábado, 5 de julho, no anfiteatro natural próximo ao lago artificial do Hyde Park, o Serpentine - com entrada franca.
A depender do jornal que você tenha lido naquele dia, a estimativa de público gravitava de 250 a 750 mil expectadores e, apesar de exagerados, esses números traduziam a expectativa pelo maior público jamais reunido em um evento cultural na capital inglesa. Entretanto, na véspera foram espalhado boatos de cancelamento do espetáculo em respeito a Brian, que morrera afogado na piscina de sua casa, naquela quinta-feira. Os sentimentos dos Stones em relação a Jones eram complexos demais para uma análise simplista, mas foi decidido transformar o evento em uma homenagem a Brian, com uma oração de Mick Jagger seguida de uma demonstração de dor coletiva, que por sua vez deu lugar a um show que impressionou o público pelo som descuidado. Tempos depois, Keith Richards, admitiu: "Eu estava bem nervoso no começo, mas depois comecei a me divertir".
Richards também temia o que aconteceria se os Stones não atendessem às expectativas do público, já que, depois da ausência de três anos dos palcos, estavam prestes a fazer uma turnê de costa a costa na America do Norte. Os ingressos para a primeira apresentação, agendada para 1 de novembro de 1969, no Colorado, se esgotaram em poucas horas.
A volta foi triunfal, mas terminou com uma triste nota de rodapé. Na tentativa de reviver a magia do Hyde Park, foi anunciado um espetáculo gratuito no dia 6 de Dezembro de 1969 em Altamont, num autódromo a uma hora de Los Angeles. O engarrafamento de 30 kilometros e a falta de sanitários públicos foram apenas o começo. Analisar os fatos, depois que aconteceram e afirmar que o show gratuito na Inglaterra deveria ter sido único e fácil, mas, apesar de a apresentação em Altamont ter sido mais consistente, seria lembrada da seguinte forma por Keith Richards: "Caótica. Eu não diria assustadora, mas definitivamente carregada de adrenalina. Eu me perguntava quem estava no comando daquela coisa. Quinhentas mil pessoas; caras sendo esfaqueados; Os Hell's Angels doidos de ácido e vinho Thunderbird. O único jeito de esfriar as coisas era enfrentar aqueles caras. A única coisa que não se devia faze era dar lugar ao medo e à intimidação." O espetáculo teve o saldo de quatro mortos, sendo que em um dos casos houve suspeita de assassinato por integrantes dos Hell's Angels.
Antes do final do mês, neve artificial caía sobre os cambistas no Lyceum Theatre quando so Stones voltaram a se apresentar em casa pela primeira vez desde o Hyde Park. Apesar da demonstração de altruísmo naquele dia de verão, o propósito desses espetáculos com ingressos esgotados era o mesmo dos de outra banda de rock qualquer: faturar o máximo possível.
Havia também um quê de volta do filho pródigo. Apesar de o show conturbado em Altamont ter sido considerado sucesso pela maioria dos jornais britânicos, um tom mais duro foi usado na edição especial da Rolling Stone dedicada quase que exclusivamente ao assunto. Não havia uma página que não houvesse um vestígio de responsabilização dos Stones pelos eventos fatais.
Isso acabou se espalhando em Londres, mas o verdadeiro peso do que tinha acontecido nao foi entendido pela maior parte do público. Mesmo que algum rancor tenha surgido, os Stones ainda eram capazes de inspirar a idolatria de costume naqueles pós-Woodstock, com seu público de longos vestidos estampados, calças Levi's desbotadas com flores ou cogumelos bordados, tamancos, calças bocas-de-sino, chapéus cloche, batas, sobretudos militares, e, mesmo no frio do inverno, camisetas regatas com estampas de listras e estrelas que revelavam os pelos das axilas.
O consolo para o terrível fim da jornada pela América do Norte? A aclamação do grande público britânico, o que acabou reunindo os cacos do trauma de Altamont. Por volta do ínicio do Ano-Novo, surgiu o primeiro disco pirata dos Stones, Live R Than You'll Ever Be, gravado no Oakland Coliseum, terceira escala da turnê americana. O disco infringia as Leis de direitos autorais, mas vendeu de tal forma que poderia ter ganhado um disco de ouro.
Live R Than You'll Ever Be tinha qualidade tão parecida com a do oficial Get Yer-Ya-Yas Out que isso alimentou o boato de que os Stones seriam os responsáveis pela pirataria. No entanto, o trabalho de mixagem em Londres das gravações ao vivo de Ya-Yas foi tão intenso que Keith chegou a afirmar que gastou o mesmo no estúdio com ele que com alguns álbuns de estúdio da banda.
A maior parte da sintonia fina foi feita nos vocais, tendo na mira momentos em que Jagger quase perdeu o fôlego em noites que facilmente eqüivaliam a uma maratona. "Eu nunca vou subir no palco e ficar ali parado", ele riu. "Cantar é dificil para mim. Não sou nenhum Tom Jones, mas não dou a mínima."
Quanto à origem, a maior parte do material de Get Yer-Ya-Yas Out foi tirado das noites de 27 e 28 de novembro de 1969, no Madison Square Garden, em Nova York. "Jumpin' Jack Flash" e "Love In Vain" foram gravadas na noite anterior, no Baltimore Civic Centre, quando os Stones ficaram quase três horas no palco.
A capa também recebeu atenção. Charlie Watts foi retratado contra um descampado ao fundo; feliz, de cartola na cabeça e com uma guitarra numa das mãos e um baixo na outra. Um jegue que carrega a outra guitarra, um bumbo e um surdo, olha indiferente para ele. Enquanto apenas os fãs mais fanáticos dos Stones se davam o trabalho de decifrar o simbolismo da imagem, se é que existe algum, Get Yer Ya-Yas Out chegou ao topo das paradas britânicas e passou algumas semanas na parada das 10 mais americanas daquele outono.
O comentário de Jagger "Charlie's Good tonight, isn't he?" ["Charlie está bom hoje, não?"] sobreviveu à edição, mas o baterista ainda estava se acostumando às longas e estrondosas extravagâncias do rock pós-psicodélico. Como Watts já havia percebido, as bandas de rock não se contentavam mais com apresentações de dez minutos em espetáculos com outras bandas.
Charlie rapidamente se apadaptara a essa nova realidade e a se apresentar em ginásios e estádios de concreto americanos. "Quando passaram a colocar microfones na bateria", ele observou, "teve início um novo mundo, mas isso nunca iria captar a marca que se desenvolve na relação entre o chimbal e o bumbo. Bons bateristas fazem isso, mas o que ouvimos é a versão de outra pessoa que vem e faz a mixagem. O som fica muito alto, mas achatado".
O crescimento continuo do volume no palco e o advento de monitores de retorno também trouxeram para o primeiro plano as idiossincrasias da abordagem dos Stones ao ritmo corporativo. Com Brian fora do caminho, e Mick Taylor dócil como um cordeirinho, Keith Richards estava se transformando em mais do que uma das quatro paredes humanas da cela acolchoada do saltitante Mick Jumpin' Jack Flash. Antes, muitos espectadores não lhe davam atenção, mas não demorou até que Jagger passasse a acenar para que dividissem o microfone em pelos menos uma música em cada show.
Em espetáculos mais típicos dos Rolling Stones, a interação entre Richards e Taylor revelava uma diferenciação entre as guitarras solo e base que não existia sob o antigo regine Brian-Keith, tanto que a crítica passou a louvar tanto a desconstrução de acordes de Keith quanto os solos deslumbrantes dele e de Taylor. De repente, o guitarrista base não ficava mais na sombra enquanto o outro cara embasbacava o público com os dedos ágeis. "Sem a guitarra base de Keith não haveria Rolling Stones", declarou Jack Niztsche. "O que ele faz é tocar guitarra sem tentar aparecer. É puro bom gosto. Keith não é muito de caras e bocas."
Mas, nas palavras de Keith: "Eu nunca disse que era um guitarrista base. Outras pessoas construíram minha reputação por mim". Apesar disso, o conceito de que o guitarrista e o cantor são controlados pelo bloco em cadência definida estritamente pelo baixo e pela bateria sempre foi equivocado.
No caso dos Stones, isso era destruído pela interação no palco fundamentada na crueza dos acordes talhados por Richards com uma compulsividade estética que não passava despercebida pelos virtuoses da guitarra, entendidos do aspecto técnico. Na opinião de Bill Wyman: "A nossa banda não segue o baterista. O nosso baterista segue o guitarrista base. Portanto, acontece um atraso de um centésimo de segundo entre a guitarra e a bela bateria de Charlie. No palco, temos que seguir Keith. Não há como não seguir Keith. Com Charlie a acompanhá-lo, lá vem aquele atraso milimétrico. O resultado é a pulsação livre que existe entre Keith, Charlie e eu".
"Keith geralmente sabe que o estamos acompanhando, por isso não se preocupa se Charlie muda a batida ou perde um pouco de sintonia com o som da guitarra. Keith faz um corte de um quarto de compasso em algum lugar e de repente Charlie está no tempo certo, e não mais atrasado ou adiantado. Ele fica surpreso e instigado, já que é muito difícil para um baterista alternar a batida, principalmente nas introduções. Charlie tem retorno, mas se os urros da platéia não deixarem que ouça direito o som é muito difícil diferenciar os tempos fortes e fracos. O problema é que Charlie geralmente não faz a menor idéia de que está na batida errada, ele fecha os olhos e fica na dele. Alguém tem que ir até lá e chutar o chimbal, mas acho que esse é um dos charmes dos Stones"

Jumpin' Jack Flash (Jagger-Richards) 4:02
Um diálogo cacofônico bem londrino entre Jagger e o mestre de cerimônias Sam Cutler é o frontispício para uma faixa de abertura de impacto díficil de reproduzir, seja qual for a banda.

Carol (Berry) 3:47
Interpretação carinhosa de uma composição de Chuck Berry obrigatória no repertório das apresentações da banda desde o início até cerca de 1965 - com Ian Stewart oculto ao piano.

Stray Cat Blues (Jagger-Richards) 3:41
Jagger subtrai dois anos da idade da groupie nesta interpretação vigorosa da faixa de Beggars Banquet.

Love In Vain (Trad. Arranjo Jagger-Richards) 4:57
Com solo arrasador de Bottleneck Guitar de Mick Taylor, esta é a única faixa lenta do álbum. In vertendo o princípio de que uma gota de preto deixa a tinta branca mais branca, os Stones deixaram músicas vibrantes ainda mais intensas incendiando tudo quando chegavam a um terço da interpretação. Uma boa alternativa a essa faixa seria "Prodigal Son", na qual Keith toca violão sentado em um dos bancos colocados no palco para que ele e Mick fizessem um dueto enquanto os outros respiravam um pouco. Ela foi descartada porque os pianíssimos dos dois tendiam a ser fustigados pelo fogo de barragem incessante de gritos, assobios e , o pior, urros pedindo "19th Nervous Breakdown", "Paint It Black", qualquer coisa alta.

Midnight Rambler (Jagger-Richards) 9:05
Uma das favoritas de Jagger no palco, esta música permite que ele crie um clima ameno, intensifique a tensão até o quase delírio e finalmente encerre o ato com a platéia pedindo mais. Tocada ao vivo com todo tipo de andamento, dinâmica me refinamento, "Midnight Rambler" se aproximou dos 15 minutos em outros show da turnê, como na gravação incluida no disco pirata We Didn't Really Get In On Until Detroit.

Simpathy For The Devil (Jagger-Richards) 6:52
A faixa começa com os gritos de uma garota pedindo "Paint It Black, Paint It Black!!!"e traz um solo de Richards que, apesar de não ter o som cortante da versão em estúdio, é impregnado com a emergência de uma situação ao vivo, quase como se ele estivesse tocando durante um salto de paraquedas.

Live With Me (Jagger-Richards) 3:03
Provavelmente havia escolhas mais interessantes entre os quilômetros de fitas registradas durante a turnê que esta música pós-Satanic Majesties.

Little Queenie (Berry) 4:33
Duas interpretações deste rock de Chuck Berry foram gravadas e enviadas ao nada impressionado Alexis Korner na primavera de 1962 por Little Boy Blue and The Blues Boys, ou seja, Jagger, Richards, Dick Taylor e amigos estudantes. Esta é a segunda faixa do disco a trazer Ian Stewart nos teclados. "Little Queenie" ainda estava no ar um ano e meio depois, quando um de seus versos foi citado no fade out de "Get It On" do T-Rex, que emplacou na primeira posição das paradas britânicas.

Honky Tonk Women (Jagger-Richards) 3:45
Também gravada na apresentação do Madison Square Garden. Como "Jumpin' Jack Flash", esta interpretação evoluiu bastante em relação a apresentada no Hyde Park, apesar de a platéia ter enlouquecido da mesma forma em ambas.

Street Fighting Man (Jagger-Richards) 4:03
Os amplificadores estavam no máximo nesta interpretação, que por pouco não é um retrato sonoro de uma carnificina de Gêngis Cã.


Nenhum comentário: